Marcelo B. Oliveira **
I – Considerações Históricas
Em todas as épocas e civilizações em que se acentuou o cultivo específico do conhecimento, a condição do pensador apresentou-se um tanto trágica. Eis a observação do filósofo Berdiaeff, ao analisar o confronto entre a filosofia, a religião e as ciências, ao longo da história.
O filósofo, de modo geral, nunca foi bem aceito socialmente, ao menos que se tenha conformado ao sistema ideológico dominante, renunciando à sua condição de pensador. Sua condição essencial tem sido marcada por uma atmosfera bastante densa de ataques, ora vindos do poder político do Estado, ora das elites religiosas, uma vez que esses segmentos, invariavelmente, são os promotores das instâncias de controle social.
Nos primeiros tempos de estruturação das filosofias ocidentais, entre os gregos, por exemplo, a inimiga da filosofia fora principalmente a religião. Não esquecendo, evidentemente, o fato de que esta se encontrava aliada aos poderes políticos sustentadores das normas de comportamentos aceitas como ideais, naquele contexto.
Esse confronto se prolongou até nossos dias, lembrando que tem sido acirrado, num outro aspecto, pela corrida das ciências empíricas, ao reivindicarem seu status próprio, “desligando-se” daquela que lhes dera origem – a própria Filosofia.
Com bastante lógica este último evento se fez necessário. Disto nós somos conscientes, hoje; mesmo vendo como parecem interesseiros o distanciamento e a separação entre a Filosofia e as ciências particulares, em última instância.
Sabemos que o conhecimento filosófico foi, primordialmente, o saber que englobava em sua competência todas as áreas do conhecimento. Porém, a progressiva consciência da identidade de seus métodos e a delimitação desses campos cognitivos os tornaram independentes, possibilitando o surgimento das diversas ciências, que exigiram, por sua vez, sua relativa autonomia. A Filosofia, desde então, pressionada pelos estreitos e vigiados corredores das instituições religiosas, desde o período do teocentrismo medieval e inícios da modernidade, foi apelidada como a “serva da teologia”; embora, em parte, haja acontecido o contrário; pois a teologia é que se submeteu às categorias filosóficas, para se legitimar. De saber totalizador que havia sido, no edifício da sabedoria antiga, passou à posição de especulação de segundo plano. Oprimida, aparentemente inútil e sob acusação de atividade diletante, face aos avanços das ciências empíricas, o certo é que a Filosofia sempre esteve presente na própria lógica dos demais universos do saber, principalmente na pessoa do filósofo, que questiona os próprios valores e possibilidades da ciência e da cultura em geral.
No auge da cultura aristocrática da Grécia, a conduta do filósofo era vigiada, ameaçada, temível, por ser alguém capaz de expressar racionalmente a sua desconfiança relativamente às instituições político-religiosas e a colocar em xeque tudo que se apresentava com ar de certeza inabalável. Não é sem motivo que vemos a casa de Pitágoras incendiada, Sócrates condenado a beber cicuta; Aristóteles, Ockam, Leibniz, Hume, Locke e Marx, em apuros terríveis, por terem inquietado as oligarquias de seu tempo. Assim como contemporâneos nossos, ainda hoje exilados e ameaçados pelos anátemas da autossuficiência do Estado e das Igrejas, desde a “Santa Sé” ao “Santa Fé”. Porque enxergaram outras nuances da verdade e não se limitaram à estreiteza dos horizontes das convenções políticas vigentes. Melhor dizendo, porque questionaram o poder. Enquanto isto, percebemos, por outro lado, pensadores muito bem instalados, como Comte, Hegel, apoiados pelas hierarquias do Estado, sem tanta perseguição, Por que? A resposta soa fácil. Eles não incomodaram muito as elites.
O filósofo sempre teve um caminho estreito e espinhoso a comprimir a largueza de sue passos. De um lado, comprimido pela ciência; de outro, pela religião e pelo Estado. Como constatou Berdiaeff, “a Filosofia é a parte menos defendida da cultura… Não goza, em nenhum grau, do que se chama o prestígio da popularidade”. Até mesmo alguns pensadores a usaram como instrumento para a destruição do próprio filosofar, como foi o caso de August Comte, tendo contraditoriamente desembocado noutra filosofia e, o que foi muito pior, numa espécie de religião da ciência.
A maneira como as sociedades tratam os pensadores nos dá a sensação de que não temos nenhuma incumbência social. Sobram ao filósofo apenas os estreitos e vigiados corredores de algumas faculdades. E “a própria universidade não lhe dá asilo senão na condição de que divulgue o menos possível a sua própria filosofia, e de que se encerre geralmente na história da filosofia e nas doutrinas dos outros filósofos”. Tal foi a crítica empreendida, há poucas décadas, aos filósofos do século XX, por Gabriel Marcel e Berdiaeff, e que ainda não perdeu totalmente a sua atualidade.
Este estreitamento de espaço geográfico-político, mais sombra que reflexo da ausência de espaço de liberdade, dificulta o cultivo da filosofia como atividade especificamente reconhecida.
A história nos mostra que o ataque mais violento suportado pela Filosofia adveio-lhe da religião, desde a antiguidade. O assassinato de Sócrates constituiu o símbolo de muitos similares e um exemplo terrível da crueldade que integra o poder das elites de todos os tempos. Não deve ser visto apenas como um fato isolado no mundo grego. Em “A Apologia de Sócrates”, encontramos a acusação de que o pensador ensinava a rejeição dos deuses. Na realidade, ele apontava as defasagens e o ocaso da cultura aristocrática em decadência; pois sabemos que, na Grécia antiga, política e religião estavam a serviço do poder, assim como no mundo romano dos primeiros séculos da era cristã.
Em fins da era medieval europeia, no contexto da cristandade ocidental, surgiu a incandescência das fogueiras da Inquisição (cujos resquícios duram até hoje) queimando filósofos e cientistas, só porque não pensavam como os prepotentes da hierarquia político-religiosa da época. Neste contexto ideológico, identificava-se uma estrutura histórica com a Verdade, por falta de consciência histórica e porque o ânimo dos primeiros cristãos havia arrefecido, desde as sutis manobras de Constantino e Teodósio, que fizeram o clero romano curvar-se diante de ofertas econômicas, quais adoradores de Baal. E o Cristianismo, de religião que trouxe a lume a consciência da dignidade dos seres humanos, fora transformado em “religião lícita”. Em lugar do aforismo “a fé busca a razão” passou a valer “a fé mata a razão”. Desde então, a humanidade passou a praticar uma verdadeira coivara de homens e mulheres inteligentes, como Hipácia de Alexandria, Giordano Bruno, Savonarola, Joana D’Arc, ardendo nas grelhas do “Santo Ofício” e sob tortura militar, pelo preço de suas descobertas e da liberdade de pensamento, frente aos dogmatismos morais erigidos nos palácios. À parte o contexto moderno que assassinou Rosa Luxemburgo, Trotski, Politzer e outros. Como não existe mais a prática da fogueira, os atuais inquisidores usam a tortura psicológica da punição com o desemprego e o silêncio forçado.
II – Nossa Epocalidade
Nestes inícios do século XXI, não sejamos ingênuos em demasia para pensar ter havido evolução linear na história do pensamento humano, concebida vulgarmente em termos de “história universal”, como se fosse algo homogêneo. A violência atribuída ao mundo antigo perdura nas sociedades contemporâneas. Se não de modo idêntico, mas disfarçada ou em outras modalidades, dependendo da classe dominante que exerce o controle social máximo como classe dirigente; seja o clero, no caso das religiões, sejam os militares, ou ambos, em caso de teocracias ou concordância de interesses de ambas as facções. Por menos que pareça verdade, mas ainda vigora o imperialismo religioso e militar. Inclusive, muito semelhante ao de Roma antiga. Basta que observemos as nossas ruas invadidas pela cavalaria, em plena metrópole; o que é exatamente a herança da violência policial daquela babilônia. Vivemos em plena época de grito em defesa dos direitos humanos, que se acirrou desde 1970. Entretanto, assistimos a sanções e censuras ao pensamento científico-filosófico, da parte dos escombros das ditaduras militares, fazendo ressurgir práticas fascistas. O inacreditável é fato constatável: a humanidade ainda não se libertou do “index librorum prohibitorum”, apesar do acesso às tecnologias da internet! A censura midiática é usada pra dificultar o pensamento reflexivo. Atualmente, com ênfase na educação, pela censura ao ensino de filosofia e sociologia, como ocorre em todos os regimes políticos autoritários. As elites se acham no poder majestático de dizer o que o povo deve ou não deve saber. A produção cultural é tratada como caso de polícia. Pensar e agir além dos sistemas funcionalistas e dos padrões da ideologia capitalista ocidental é arriscar-se. Começar novas formas de relacionamento afetivo, além da monogamia jurídica ocidental, é considerado desvio, desequilíbrio ou patologia; apesar de todos os esforços e conquistas recentes no campo das lutas pela diversidade cultural. Misoginia e homofobia aparecem como integrantes ideológicos dos regimes e golpes juridicofascistas atuais, internacionalmente. No Brasil, em pleno 2017, vemos o MEC permitindo que parlamentares fundamentalistas autorizem arrancar dos livros didáticos as páginas referentes à discussão sobre questões de gênero e sexualidade, sob o pretexto ilegal e absurdo de uma “escola sem partido”, nomeado como neutralidade; uma versão vulgar do pior positivismo fascista, proposto por setores religiosos que rejeitam a laicidade do Estado.
Nesse contexto encontra-se comprimida a Filosofia. Banida, cassada e caçada (em ambos os sentidos), sob a acusação de subverter as pessoas em relação ao dogmatismo político e religioso. E o pretexto para tal é, de um lado, o refúgio religioso, a acusação de materialismo ou ateísmo; do outro, a “ameaça do comunismo”, velhos mecanismos de defesa das elites reacionárias para justificarem o seus status quo.
Em quase todos os países da América Latina, onde a miséria cresce, como resultado da secular exploração colonial e capitalista, os setores fascistas das Igrejas e do Estado, portanto, ainda apelam para o anticomunismo; principalmente as igrejas evangélicas originárias dos Estados Unidos, como método antigo para impedir a educação democrática das massas populares e sua organização. Impõem o medo e a proibição do livre pensar que desmitificaria a idolatria do capitalismo aqui instalado. Como a Filosofia pode questionar as bases do poderio dessas elites acostumadas no comando ideológico das populações, a solução é condenar, apelar para ao anátema e vedar os processos de libertação e independência dos grupos mais conscientes da insuficiência desses mecanismos fundamentalistas.
Após tantas voltas e revoltas na história da filosofia, ainda se teme a crítica, o questionamento e a reflexão indagadora. Os grupos que pensam deter o controle das sociedades, o controle do curso da história, comportam-se, na maneira sábia da expressão filosófica popular, como quem quer “tapar o sol com uma peneira”. Isto porque, mais cedo ou mais tarde, alguma ruptura ideológico-política acontecerá. A linguagem da sabedoria popular expressa esta possibilidade dizendo: “um dia a casa cai”, “um dia macaco é gente”.
Fato curioso é que os teólogos sempre gozaram de certa segurança institucional. Exceto, evidentemente, quando questionaram o dogmatismo institucional de suas religiões. O filósofo, não. Jamais recebeu qualquer apoio, porque a filosofia nunca se institucionalizou de modo permanente. Encontra-se solto, entre os olhares da ciência, da religião e, atualmente, enfrentando o autoritarismo do Estado neoliberal militar. Caso não seja um pensador a serviço da ideologia das classes dominantes, do tipo que fica obediente, à sombra da árvore do poder, falando para ser admirado e encantando plateias. Em se tratando de um pensador crítico, que tem coragem suficiente para se distanciar das “proteções” oferecidas pelas elites, como bolsas, viagens, ou os chamados cargos de confiança, pelas chefias e espionagens.
Desse modo, o filósofo crítico é perseguido e marginalizado pelas elites no poder, quando busca cumprir a tarefa de construtor da história, ao catalisar as aspirações de sua contemporaneidade. Sua atividade é colocada “entre parêntesis”, em suspense, ou suspeita. Nem, ao menos, lhe conferem uma competência profissional, como constatou o pensador Berdiaeff: “filósofos e filosofia têm contra si os homens de religião, os teólogos, membros do clero e simples fiéis , os sábios e todos os especialista, os homens políticos e os organizadores, os homens de Estado, conservadores e revolucionários, os engenheiros e os técnicos, os artistas, enfim, a turba. Os filósofos devem ser, ao que parece, os que não têm nenhuma importância na vida política e econômica. No entanto, os homens que detêm ou brigam com o poder, os que desempenham ou querem desempenhar um papel no Estado e na economia social, parecem querer-lhe mal, não se sabe de que; não podem perdoar à filosofia parecer-lhes inútil (…). Ignora-se o aparelho técnico da filosofia, mas não se hesita empregar o termo filosofia como uma expressão de troça ou de censura. No uso corrente, a palavra metafísica é quase uma injúria (…). Que a insegurança seja a condição vulgar da filosofia é o que a experiência obriga a constatar… Em todo filósofo há sempre qualquer coisa de Spinoza e do seu destino. Por essa insegurança social, a personalidade de seu pensamento, a situação do filósofo aproxima-o da vocação profética. O profeta não está mais protegido do que ele; e está tanto mais sujeito à perseguição quando se preocupa principalmente com os destinos da sociedade e do povo. É por isso que, de todos os tipos de filosofia, é a do tipo profético a que está mais desarmada, a menos tolerada, a mais isolada”. Apesar da sua tragicidade, e por causa dela, esse texto de Berdiaeff merece ter reconhecida a sua objetividade histórica e a sua beleza poética.
Em contraste, é inegável a função da filosofia como força propulsora de todos os movimentos culturais, uma vez que se constitui como o próprio impulso do agir humano na indissociável unidade vital entre teoria e prática. Desde o mais simples método de conhecimento até a mais complexa pesquisa científica, a comunicação se torna possível graças à reflexão filosófica subjacente ao trabalho de sistematização dos saberes. Se assim não fosse, por que seria tão vigiada e excluída?
Todo sistema político, todo posicionamento ante um desafio histórico, fundamenta-se numa mundivisão, numa filosofia, numa concepção de mundo e de homem. Toda organização humana, como projeto social e histórico, supõe uma manifestação racional e uma fundamentação por meio dos princípios da racionalidade. Subjacente a qualquer sistema social encontra-se uma ideologia, um conjunto de princípios e valores racionalizados e explicitadores de sua razão no existir humano. E a pessoa do filósofo faz-se necessária a fim de exercer uma ação crítico-judicativa, para mostrar a incoerência ou coerência desse projeto em relação ao próprio ser humano no seu irrenunciável face-a-face com outros, no mundo. Com o filósofo, nesta atitude de julgamento quase ninguém ousa solidarizar-se. Em geral, parece ficar sozinho, pouco reconhecido. Sua incumbência é a de pensar a existência, no mundo, com a única certeza de que é possível conhecer, julgar, detectar contradições e apontar horizontes de ultrapassagem em todos os domínios do saber aplicado, posto que o filosofar se põe a si mesmo como objeto de conhecimento, e nenhuma ciência o faz tão radicalmente como a própria Filosofia.
O filósofo que não se deixa confundir e não se torna cúmplice com a mesmidade sistêmica da ideologia dos segmentos sociais dominantes não é bem aceito, justamente porque sua atitude criticizadora não admite fronteiras nem entraves. Pela sua práxis, aponta as ambiguidades dos sistemas pretensamente acabados; localiza as contradições, desenterra os conflitos abafados, desmascara, desmistifica, quebra a aparente rigidez e vislumbra possíveis mudanças sociais. Conscientiza-se ajudando os outros a se conscientizarem. Nisto está a sua função histórico-pedagógica. Não existe autoridade externa para o filósofo crítico. Na filosofia a autoridade se constitui pela coerência do próprio pensar condizente com as exigências do presente histórico. Por isso, o pensador que não se torna obediente ao sistema opressor é sempre perseguido por aqueles que se beneficiam da segurança estrutural e material das oligarquias. Tal filósofo é o terror das doutrinas sectárias, dos sistemas e dos dogmatismos de quaisquer origens, desde o religioso ao especificamente político ou cientificista. O único limite para o seu campo de ação é o não poder nem dever pensar a serviço da opressão, se quiser ser fiel à humanidade. É não pretender possuir a verdade total. Não se deixar enquadrar num sistema. Não se curvar a censuras. Não silenciar. Não pretender a ingenuidade de querer afirmar-se ideologicamente neutro ou apolítico. Seu lema deverá ser a construção da verdade, pela construção da história. Utópico, procurará tornar “tópico” aquilo que pensa, com o testemunho da sua convivência, pela dialetização com outras consciências, na luta pela liberdade política, a começar pela própria liberdade individual. Sabendo que a filosofia é o saber do saber e do não saber; condição reveladora sem a qual o existir não seria humanamente possível.
III – Considerações finais
Os seres humanos não vivemos sem filosofia. O pronunciar-se com outros é incondicional ao nosso existir, no mundo. E a crítica, o filosofar, a atitude interrogativa, constituem os únicos caminhos a serem desbravados pela humanidade em busca de orientação para viver essa grandeza: a vida; náusea para uns, mistério para outros.
Cônscio desta possibilidade e dos limites que lhe são impostos, o pensador crítico sabe que deve continuar exigindo espaço para sua tarefa histórica específica. Ainda estamos a tempo de tentar libertar a Filosofia dos estreitos corredores e salas de aula em que está confinada, nas universidades, para apontá-la como atividade virtualmente possível a todas as pessoas como seres pensantes. Se já é fato que fizemos uma filosofia da libertação, não esqueçamos de lutar pela libertação da Filosofia, cuja ideia continua presa às escolas ou banida pela censura disfarçada.
A atividade filosófica deve ser explicitada e compreendida como tarefa de todos, embora em níveis diversos; não apenas de universitários. Como pensadores brasileiros temos que operacionalizar concretamente o modo e o espaço político para isto. Não esperemos o reconhecimento “oficial” desta atitude humana – o pensar crítico – pois nunca virá, uma vez que nossas instituições escolares, sob o poder majestático das elites, dos vulgares “políticos”, continuam como instrumentos da socialização repressiva a serviço do status das classes privilegiadas e da defesa da ordem da propriedade privada.
Afirmamos que o filosofar não deve permanecer apenas como atividade acadêmica, pois é preciso que leve em consideração o cotidiano popular. Assim como é necessário que a linguagem filosófico-científica dialogue com o linguajar comum, a fim de que, dialógica e dialeticamente, as camadas populares também se apropriem do conhecimento rigoroso. E ambos, filosofando, questionem suas práticas, conjuntamente, num esforço de superação do vanguardismo e do intelectualismo de gabinete.
O pensamento filosófico não pode se desligar das lutas históricas das populações. O filósofo ou filósofa deverá fazer o esforço para se comunicar cada dia mais intensamente com aqueles que estão impedidos de dizer sua palavra, com os movimentos culturais populares. Porque as classes populares também são potencialmente capazes de captar e expressar o espírito de sua época.
Temos de nos organizar culturalmente, saindo dos gabinetes e “chocadeiras” dos departamentos, para combater a censura neoliberal que atinge as escolas. Precisamos da força organizativa do pensamento filosófico para quebrar o autoritarismo e o fanatismo ideológico que consideram o exercício da filosofia como algo perigoso. Visto que, no momento, grande parte das nossas instituições ainda são demasiado débeis para suportar isto. Temos de acordá-las como o canto dos galos nas silenciosas madrugadas. Inclusive porque pensar filosoficamente também se constitui como um direito; já que diz respeito à educação e à liberdade de consciência como expressão fundamental da dignidade humana.
Se esta proposta chega tardia, não é ao cair da tarde que levanta voo o pássaro de Minerva, na poética expressão de Hegel? ***
* N. Berdiaeff: Filósofo russo, 18/03/1874, Kiev, Ucrânia – 24/03/1948, Clamart, França
** Autor: Mestre em Filosofia pela UFPE
*** Sobre o texto: Esse texto foi publicado, em primeira versão, no suplemento cultural do Jornal do Comércio de Recife, há quase vinte anos. Como, no Brasil, curiosamente, as circunstâncias não mudaram absolutamente nada em relação à Filosofia, pois vivemos época de crescente fundamentalismo, pouco foi alterado em seu conteúdo essencial.