Solidão, uma questão filosófica

O dicionário define Solidão como sendo “estado de quem se acha ou se sente desacompanhado ou só; sensação ou situação de quem vive afastado do mundo ou isolado em meio a um grupo social; estado ou condição de duas pessoas (ger. casadas) que, não obstante, vivem juntas, não se entendem nem se comunicam uma com a outra; (latim solitudo/inis), solidão, retiro, desamparo, abandono” (Houaiss, 2009).
Parece certo que a solidão, o saber-se e o sentir-se só é próprio da condição humana e manifesta-se tanto individualmente quanto na coletividade, na sociedade. O indivíduo sabe-se e sente-se só. Mas uma sociedade, um povo pode também ter essa sensação e consciência de solidão diante de contextos sociais, políticos, econômicos, culturais que o levem a perceber-se só. Por exemplo, na ausência de políticas sociais que promovam a inclusão e diante do descaso e dos desmandos das elites e do governo, as classes menos favorecidas e desprivilegiadas, podem sentir-se e saber-se abandonadas, solitárias. E estas mesmas causas, que atingem a sociedade como um todo, afetam cada pessoa em particular, cada uma a seu modo com mais ou menos profundidade. Um indivíduo que trabalha arduamente, recebendo uma remuneração não condizente às suas necessidades básicas e em condições inadequadas, sente-se desvalorizado e desamparado por não conseguir ver saídas. Pior ainda quando é bombardeado pelo tipo de “pensamento único” e propaganda que tenta lhe incutir a ideia de que basta esforçar-se, acreditar e “correr atrás de seus sonhos” para conseguir galgar os degraus da fama e da prosperidade. Discurso e prática, inclusive, de igrejas e seus pregoeiros. E se não o consegue é porque não se esforçou o suficiente, não teve o “mérito” para tal. Qualquer semelhança com o que vivemos em nosso país presentemente, não é mera coincidência.
Outro exemplo nos dá Octavio Paz, no livro O Labirinto da Solidão, no qual apresenta um retrato dos mexicanos, dizendo ser a solidão uma das características desse povo, lembrando os aspectos geográficos-climáticos que influenciam os estados de ânimo; fazendo uma releitura da história, desde seus primórdios, quando os vários povos autóctones tinham suas culturas próprias e uma consciência mítica da realidade; passando pela devastação promovida pela invasão e colonização, quando foi forçado a mascarar-se e assumir outras identidades; pela revolução de 1910; pelas ditaduras político-militares até a então atualidade (o livro é de 1950), vivendo nessa “dialética da solidão” de ser e não ser, de estar e não estar, de pertencer e não pertencer ao seu próprio lugar e ao mundo, especialmente por ter assimilado, durante todo o período colonizador e ditatorial, que era um país e um povo menor, sem cultura, tendo os modelos europeu-espanhol e estadunidense como os corretos, os melhores. E nesse movimento dialético busca (re)construir sua identidade própria enquanto povo.
Sob as várias visões, sentidos e significados dados, repetimos, a solidão é inerente à condição humana. Dela tratou e trata vasta obra literária, como o romance do colombiano Gabriel Garcia Márquez, Cem Anos de Solidão. Na poesia, sabemos, é tema recorrente, a exemplo da obra Solidão Compartilhada, da poeta pernambucana Maria do Carmo Barreto Campello de Melo, donde destacamos o poema Aviso. Ou na música, como A Solidão é Fera, de Alceu Valença.
Por tratar-se de algo característico da existência humana, a solidão é considerada uma questão filosófica. E filosoficamente pode ser pensada e cuidada. O Dicionário de Filosofia conceitua solidão da seguinte forma: “O isolamento dos outros ou a busca de uma melhor comunicação. No primeiro sentido a S. é a situação do sábio que, na sua figura tradicional, é perfeitamente autárquico e por isso isolado em sua perfeição (v. SAPIENTE). Fora desde ideal, o isolamento é um fato patológico: é a impossibilidade da comunicação que se liga a todas as formas de loucura. Em sentido próprio, contudo, a S. não é isolamento mas antes a busca de formas diferentes de comunicação” (Abbagnano, 1970). Daí vemos que faz-se uma distinção entre solidão e isolamento, sendo a primeira algo necessário e positivo, i. é, a pessoa retira-se, volta-se para si mesma, refletindo sobre seus próprios pensamentos e seu modo de ser e estar no mundo, visando o crescimento humano, a sabedoria; e o segundo, como algo negativo, que faz com que nos fechemos e nos isolemos, perdendo a capacidade de comunicação até conosco mesmos.
Mas convencionou-se, em nossa cultura ocidental, e como destacado no início desse texto, dar ao termo solidão esse significado/sentido negativo, ao menos na grande maioria das vezes. O que não quer dizer que não possamos ressignificá-lo. Assim sendo, como poderíamos tratar, cuidar filosoficamente dessa questão?
No texto de Octavio Paz, bem como na poesia de Maria do Carmo, vemos apontados caminhos: Paz propõe uma reflexão crítica do ser mexicano, tendo como base sua história, levando-o à ação e à libertação e a afirmar-se enquanto povo. Maria do Carmo sugere que, embora não se possa repartir nem dividir as solidões, assumi-las e colocá-las lado a lado, pois o desamparo une as pessoas.
Podemos dizer que tanto num como noutro caso, essas são atitudes filosóficas. E aqui a Filosofia Clínica, atenta às singularidades de cada pessoa, assim como para a realidade de uma sociedade, de um povo, pode contribuir para que vivamos mais conscientes de nossa condição e capazes de enfrentar os desafios pessoais e coletivos que vivenciamos. Afinal, ela, a FC, atém-se à historicidade, donde busca-se elementos que situem as pessoas e as coletividades e as façam sentir-se localizadas existencialmente, apropriando-se de seus destinos e tornando-se capazes de interferir nos rumos de suas histórias pessoais e coletivas.
Paulo R. Grandisolli

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